Para onde aponta esta arma secreta?
Medicação. A revista Time lançou o debate. Os anti depressivos instalaram-se entre os militares. Em Portugal a polícia usa-os. A arma-comprimido pode ser perigosa
Por Hélder Beja.
Medicação. A revista Time lançou o debate. Os anti depressivos instalaram-se entre os militares. Em Portugal a polícia usa-os. A arma-comprimido pode ser perigosa
Por Hélder Beja.
Há uma nova arma entre as tropas norte-americanas que combatem no Iraque e Afeganistão. É minúscula, poderosa e, apesar de não ser cortante, funciona, por assim dizer, como uma faca de dois gumes: ajuda o militar a recuperar anímicamente e a manter a calma, mas pode também virar-se contra ele: dos 115 militares dos Estados Unidos da América (EUA) que cometeram suicídio em 2007, 40 por cento tomavam anti depressivos.
Em Junho, o artigo de capa da revista Time lançou a discussão sobre a natureza bipolar de fármacos como o Prozac. O artigo, assinado pelo jornalista Mark Thompson, dizia que «pela primeira vez na história, um número considerável de tropas em combate está a tomar doses diárias de anti depressivos».
Os medicamentos têm «não apenas o propósito de ajudar as tropas a manter a calma, mas também de permitir ao exército preservar o seu recurso mais precioso: as linhas da frente».
O Prozac foi «admitido» nas forças armadas norte-americanas em 1987 mas foi já no final da década de 1990, e especialmente desde o começo do conflito no Iraque (2003), que o seu uso por tropas em combate se generalizou.
Em Portugal, as polícias? Tanto as que estão em missão no estrangeiro como as que estão em território nacional? Também recorrem a fármacos. «Os anti depressivos são uma ferramenta como as outras que, em certos casos, pode e deve ser usada», diz ao SEXTA a psicóloga do Sindicato de Profissionais da Polícia, Sandra Sofia Coelho. De acordo com a especialista, «tem havido cada vez mais pedidos de consultas por parte de jovens agentes». Em muitos casos «consegue evitar-se o recurso a fármacos», noutros «a consulta psiquiátrica, a medicação e o desarmamento» é a solução.
Já o Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército garante que as tropas lusas não recorrem a anti depressivos durante as missões. «As nossas tropas não usam nada disso», reitera o capitão Siborro Alves, relações públicas.
«Não adoptámos esses medicamentos. Antes de uma missão, os nossos psicólogos avaliam os militares e quem não estiver apto não vai. O acompanhamento é contínuo durante a missão», acrescenta o capitão. Acompanhamento que não andará certamente próximo do prestado aos 30 mil militares norte-americanos no Iraque e Afeganistão, através de 200 especialistas em saúde mental.
Tropas portuguesas pacíficas.
As situações vividas por militares portugueses e norte-americanos em missão são, na maior parte das vezes, distintas. Como refere ao SEXTA o general Loureiro dos Santos (ver entrevista nestas páginas), nas mais recentes missões portuguesas «a tensão tem sido moderada».
«Da última vez estive destacado perto de Díli, em Timor, numa missão das Nações Unidas. E claro que há várias situações de perigo iminente em países que estão a cimentar jovens democracias», refere ao SEXTA um agente da Polícia de Segurança Pública que prefere manter o anonimato. Mas o principal objectivo é o da «manutenção da ordem e da paz» e raramente há registo de baixas, acrescenta.
Diferente é a situação das tropas norte-americanas. O relatório citado pela Time, referente a 2006, mostra bem a violência mental a que têm sido sujeitas: dois terços dos militares inquiridos conheciam pelo menos um outro que tivesse sido morto ou capturado. E apenas 15 por cento desses homens tinha a certeza de que o seu camarada teria morto algum inimigo em combate.
«Uma bomba enorme rebentou com a cabeça do meu amigo a menos de 50 metros de mim.» Relatos como este, reproduzidos no artigo, não se encontram entre os militares lusos? O exemplo mais próximo será o da Guerra Colonial. Nos palcos onde operam os EUA, a violência aliou-se à impotência e fomentou o surgimento de distúrbios mentais. O recurso a fármacos foi consequência natural: em 2007, 12 por cento das tropas de combate no Iraque e 17 por cento das presentes no Afeganistão estavam sob o efeito de anti depressivos ou comprimidos para dormir. E, diz a Time, a estatística subestima a realidade.
O mea culpa da sociedade
O uso militar de anti depressivos reflecte o seu crescente uso por parte da população civil. Nos EUA, em 2004, foram passados 147 milhões de receitas.
Em Portugal, a venda de Prozac e afins também voltou a subir em 2006, depois de uma ligeira queda em anos anteriores. De acordo com dados do Infarmed divulgados em Fevereiro, comercializaram-se mais de seis milhões de embalagens de anti depressivos. As despesas com estes medicamentos rondaram os 158,5 milhões de euros.
Especialistas ouvidos pela Time desconfiam do uso deste fármaco em cenários de guerra. Principalmente por militares integrados em missões consecutivas, como é o caso. O comprimido pode apaziguar distúrbios mentais mas, acredita-se, também pode inflamá-los. São os perigos da nova arma branca.
Sexta – Abola – Público Online, 07-07-08.
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