sábado, abril 12, 2008

Alice Vieira - "A geração do ecrã".

Por Alice Vieira, Escritora

Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os “Morangos com Açúcar”, só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode ter ficado surpreendido.
Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a Sr.ª Ministra - que não entra numa escola sem avisar... - é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas escolas...).
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!
O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma professora, ou com uma escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.
Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.
A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.

In Jornal de Notícias, 30/3/2008

http://jn.sapo.pt/2008/03/30/opiniao/a_geracao_ecra.html


7 comentários:

Luís Bugalhão disse...

boa blogador!

grande associação do texto da alice vieira com a crónica do zé pedro gomes. é que a coisa passa mm por aí, pela falta de tino que os pais, de um modo geral ao que parece, põem na educação dos filhos.

mas os pais tb passam por muito: por não terem tempo com qualidade para estar com os filhos, por estarem sempre a ser pressionados para trabalhar mais, para serem mais produtivos etc, o conduz a uma situação em que, pasme-se, esses pais achem muito bem que as escolas aturem, ou tomem conta dos meninos o dia todo, uma vez que não têm tempo para essa, improdutiva, actividade.

é o neo-liberalismo em todo o seu esplendor! é a flexi sem segurança! é a iniciativa privada potenciada ao máximo.

sabes bem o que acontece a um motor série quando não se lhe põe carga: desarvora!

já está a acontecer isso no nosso democrático mundinho ocidental. e ainda só vamos no sobreaquecimento. quando começar a cheirar a verniz queimado é que a coisa vai ficar linda...

bom post.

abraço

RS disse...

Sabes bem que eu continuo a preferir este democrático mundinho ocidental a outros mundinhos. Mas realmente é tempo de novas reflexões e de mudança de atitudes políticas e económicas, senão corremos todos o risco de isto realmente desarvorar.
Abraço.

Anónimo disse...

No passado, as mudanças eram lentas, pais e avós transmitiam aos filhos e netos os seus conhecimentos e a sua experiência que abriam perspectivas de futuro e criavam amarras de respeito pelos mais velhos e evoluções mais tranquilas. Hoje, com a revolução tecnológica, na era da informação, as mudanças acontecem a velocidades super-sónicas e pais e avós não conseguem acompanhar a "Velocidade do Tempo", ficam para trás, no passado, incapazes de interpretar o futuro. Há como que um fosso entre passado e futuro.
Os jovens encontram-se sòzinhos no futuro, sem ligação e compreensão do passado, à procura de novas regras de convivência global.
Neste imenso caldeirão de banalização da violência, terrorismo religioso, terrorismo de estado, guerra em directo, competição individualista, em que não se olha a meios para alcançar os fins, a ideologia do "salve-se quem puder" na actual crise do capitalismo, perante a incapacidade de respostas às novas realidades (futuro/projecto) num clima de incerteza, hesitação e impunidade, a violência floresce e eleva os seus protagonistas à condição de heróis e líderes.
Será que a resposta está na polícia e nos tribunais? Não me parece.
É urgente derrotar a economia da violência e engatilhar uma resposta filosófica e política à escala global. Recuperar o respeito e a dignidade entre os homens, como resposta mobilizadora, capaz de construir uma alternativa à actual crise social.

XL

Luís Bugalhão disse...

claro companheiro. agora há que tentar arranjar um meio-termo que evite coreias do norte e rússias de putin; cubas e chinas e portugais.

ou seja, algo que ponha as pessoas como prioridade, em vez da economia financeira. e sem que os documentos como a declaração dos direitos do homem sejam apenas folha morta.

é a conversa do costume... mas há que fazer cm diz o anónimo xl: '...engatilhar uma resposta filosófica e política à escala global.'. e para o fazer, não me parece que a constante fuga p'rá frente em nome da criação de riqueza, com o consumo de recursos - materiais, sociais, morais e psicológicos - a todo o custo que essa criação de riqueza exige, não me parece, dizia, que essa fuga p'rá frente seja o caminho. a solução pode passar por fazer força no sentido contrário, para ver se a balança equilibra.

o que é certo é que, em nome da democracia, os fins justificam os meios no nosso mundinho. tal e qual os tais 'outros mundinhos' a que te referes. e esmagando do mm modo as liberdades individuais e a felicidade das pessoas.

abraço e bom fds

Kim disse...

Nunca é demais bater na mesma tecla, quando a mesma está emperrada.
Falta dar-lhe uma oleadela.
Mas tudo começa na própria casa, com a educação a falhar.

O Bicho disse...

Já tenho saudades de ouvir, de seguir, a corrente de pensamento do XL.
Gostei muito de ler esta "tirada", grande pensador, grande amigo XL.

Anónimo disse...

Does anyone of you is a parent?

Many of you wrote sensible and factual theories. However you should say thanks god that you leave in Portugal and not in another country, such as UK. Where teachers get killed by students and kids as young as 13 years are stabbed as it happened at my door step. The kid was stabbed by a 16 years old. I do not believe that the parents of this child educate him to carry out a knife or even to kill his best friend. Everyday is a different story with a sad ending.


F