quarta-feira, maio 02, 2007

44 - Sociedades - civil e militar

É estranho verificar que a sociedade lusa não valoriza o papel dos seus militares. Tanto mais que, na última década, a estrutura sofreu um notável processo de internacionalização, assumindo várias missões em todo o mundo.
Quando conversamos sobre o que o país tem de melhor, sobre aquilo que um número cada vez maior de mulheres, homens e empresas faz bem, falamos de quê? Numa série de colunas essenciais para um país cujos passatempos favoritos parecem ser duvidar de si e dizer mal de tudo e de todos, Nicolau Santos tem neste semanário vindo a chamar a atenção para o papel inovador de uma série de empresas portuguesas em sectores extremamente competitivos a nível internacional - vestuário, -software-, «design», têxteis, engenharia de moldes, cortiça, calçado, telemóveis, soluções tecnológicas para empresas globais, vinhos, medicina regenerativa, centros comerciais, louças de porcelana, construção de caiaques e energias alternativas.
E de que é que não falamos? Acima de tudo não falamos de alguns sectores das Forças Armadas. Esta omissão é estranha. E é também o resultado de uma série de acontecimentos que já está a ter fortes consequências na maneira como a maioria da sociedade olha para os seus militares. Começando pelo primeiro ponto. Tal como muitas das empresas mais inovadoras do país, as Forças Armadas conheceram um fortíssimo processo de internacionalização nos últimos dez anos. Durante esses anos, milhares de militares portugueses participaram em inúmeras missões, algumas delas bastante difíceis, na Europa, África, Médio-Oriente e Ásia. O treino, preparação e execução destas missões tem vindo a ter um enorme impacto numas Forças Armadas cuja principal missão hoje em dia é cada vez mais ajudar Portugal a exportar segurança. Tal como as empresas referidas por Nicolau Santos, algumas unidades extremamente coesas e com grande espírito de corpo das nossas Forças Armadas têm provado ser muito competentes nesta difícil e ingrata actividade. No ano passado, a competência e a ambição política levaram Portugal a acompanhar os seus aliados europeus no envio e no substancial reforço de contingentes militares em dois países com uma enorme história de violência – Líbano e Afeganistão.
Por que é que esquecemos isto? Acima de tudo porque, apesar de toda a retórica, a maioria dos decisores políticos e da nossa sociedade não está realmente interessada em prestigiar a instituição militar. As elites nacionais tendem a não ter o melhor interesse por questões militares e olham para as Forças Armadas com suspeita e incompreensão. O resultado? Um país que acabou de assumir importantes compromissos militares em zonas instáveis e violentas, que precisa de discutir importantes e complexas questões estratégicas mas que está cada vez mais longe das suas Forças Armadas. Um país, finalmente, que parece acreditar que a guerra e a violência foram abolidas pela história e pela economia e que acha que o destino das Forças Armadas é ser uma espécie de Cruz Vermelha ou de escuteiros mais ou menos musculados.
Como Geoffrey Wheatcroft relembrou no ‘International Herald Tribune’ do dia 16 («Shifting the Burden of War»), nós não estamos sós. O distanciamento das elites inglesa e norte-americana em relação aos seus militares é também cada vez maior. Os governos e os parlamentos dos países da riquíssima e próspera área euro-atlântica, que pedem cada vez mais aos seus militares, estão cheios de pessoas sem experiência militar e sem filhas e filhos nas Forças Armadas. No meio disto, muitos militares continuam a lidar com questões de vida e de morte. Temos vindo a esquecer isto. Mais tarde ou mais cedo, o preço a pagar pelo nosso desinteresse e esquecimento será muito elevado.

Miguel Monjardino, in Expresso, 28 de Abril de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

Neo-colonialismo puro e duro.
xl