segunda-feira, abril 25, 2011

MEMÓRIAS DE UM MILITAR DE ABRIL


Breves memórias pessoais do 25 de Abril
De Abril recordo o clima de amizade, de liberdade e de solidariedade que reinou. Os dois primeiros 1º de Maio em Liberdade.
Toda a gente a correr para as televisões e telefonias na hora dos noticiários. Milhares e milhares de pessoas presas aos televisores a ouvirem contar os episódios da luta contra o fascismo. As edições dos jornais a esgotarem-se e com segundas edições.
Fundámos milhares de clubes, associações, bibliotecas e cooperativas de consumo, de habitação: construímos as bases de uma nova sociedade.
Lembro essa coisa maravilhosa, que aos poucos desapareceu, da boa educação de toda a gente, como se toda a vida se tivessem levantado para ceder o lugar nos transportes públicos – “Faça favor!”, “Oh, deixe estar, não era preciso…”
Lembro as lágrimas nos olhos de muitos quando as campanhas de fundos de apoio à Reforma Agrária resultaram na aquisição de tractores e alfaias usadas para vencermos a batalha da produção.
Lembro com saudade o dia de trabalho voluntário num feriado como resposta à sabotagem económica.
Lembro as muitas horas de discussão apaixonada em grupos, onde uma conclusão ressaltava: Portugal tinha de mudar para melhor, tínhamos de construir um País mais justo e com mais igualdade.
Lembro que falávamos não só da primeira geração de direitos e da liberdade, mas também da segunda geração de direitos do trabalho do emprego, e de uma terceira geração de direitos dos consumidores, da cultura e do ambiente – e hoje fala-se na precariedade no trabalho, na polivalência, no retrocesso funcional, na desigualdade, na pobreza, na iliteracia e analfabetismo funcional, do degelo, da agonia do planeta...
Lembro a adesão maciça ao Programa de MFA baseado nos três D: Desenvolvimento, Descolonização e Democracia.
Lembro-me de pensarmos que dali até ao Socialismo, consagrado na Constituição de Abril, era um pulo.
E afinal não foi! Aquilo que parecia ser já ali mostrou-se mais distante.
Lembro os mil e um meandros em que o rio de Abril perdeu o seu ímpeto inicial e alterou o seu curso.
Lembro que pela primeira vez na história do país, na distribuição da riqueza, os que trabalham ficaram com a maior parte – hoje, na distribuição da riqueza, estamos a níveis piores do que antes do 25 de Abril.
Lembro, com comoção, um Primeiro-ministro cuja primeira medida foi baixar o seu vencimento e o dos Ministros – e agora... escândalos sucessivos associados à corrupção e os «tachos» para os amigos.
Lembro que lutamos há 35 anos pela Dignificação e Justiça Social, coisa que parecia ter sido conquistada de forma consolidada e perene.
Mas lembro também os sobreviventes do Campo de Morte Lenta do Tarrafal e de todas as outras prisões onde os antifascistas consequentes passaram séculos das suas gloriosas vidas; dos que foram assassinados e que dão outro sentido à luta e a certeza de que vale a pena lutar. E ressalta, pelo seu exemplo, que quem luta pode perder, mas quem não luta já perdeu.
Abril Vencerá!
Construiremos o Portugal que sonhámos em Abril resistindo e desbravando o caminho.
Julgávamos que a revolução era feita num dia e, no outro, tudo estaria resolvido. Empolgados com a construção de um Portugal melhor e mais justo, esquecêramos que a Revolução é um processo prolongado, com avanços e recuos, e que tudo se transforma continuamente.
O universo expande-se e arrefece. A Terra, a nossa Terra, a nossa casa cósmica, é uma realidade em constante mutação: todos os dias muitos milhares de toneladas de rocha transformam-se em magma e toneladas de magma transformam-se em rocha; os continentes movem-se como gigantescas jangadas de pedra.
A história do homem corre por meandros que por vezes nos dão a ilusão de estar a recuar, mas continua a avançar sempre em direcção ao Mar do Futuro, moldado pelo querer do homem e da natureza.
As sociedades sofrem mutações constantes, dando azo a novas relações económicas e sociais que tendem a moldá-las em novos e mutáveis pontos de equilíbrio.
No horizonte de Abril há mais estabilidade, mais justiça na distribuição da riqueza, mais igualdade de oportunidades e mais dignidade na condição humana e profissional; mais democracia abrangendo todas as vertentes da vida do homem: social, económica, política e cultural.
Porque o sonho não morre e o homem quer, o futuro do Portugal d’Abril será o que construirmos.
E nós, os portugueses, somos bons construtores!
David’ Pereira

sábado, abril 09, 2011

FMI -2




isto é simplesmente o melhor texto político em língua portuguesa. Pouco mudou desde ai...."descontrai baby came on descontrai"

FMI

sexta-feira, abril 01, 2011

NOBRE POVO!


Islândia. O povo é quem mais ordena. E já tirou o país da recessão
por Joana Azevedo Viana, Publicado em 26 de Março de 2011   jornal i
A crise levou os islandeses a mudar de governo e a chumbar o resgate dos bancos. Mas o exemplo de democracia não tem tido cobertura


Os protestos populares, quando surgem, são para ser levados até ao fim. Quem o mostra são os islandeses, cuja acção popular sem precedentes levou à queda do governo conservador, à pressão por alterações à Constituição (já encaminhadas) e à ida às urnas em massa para chumbar o resgate dos bancos. 

Desde a eclosão da crise, em 2008, os países europeus tentam desesperadamente encontrar soluções económicas para sair da recessão. A nacionalização de bancos privados que abriram bancarrota assim que os grandes bancos privados de investimento nos EUA (como o Lehman Brothers) entraram em colapso é um sonho que muitos europeus não se atrevem a ter. A Islândia não só o teve como o levou mais longe.

Assim que a banca entrou em incumprimento, o governo islandês decidiu nacionalizar os seus três bancos privados - Kaupthing, Landsbanki e Glitnir. Mas nem isto impediu que o país caísse na recessão. A Islândia foi à falência e o Fundo Monetário Internacional (FMI) entrou em acção, injectando 2,1 mil milhões de dólares no país, com um acrescento de 2,5 mil milhões de dólares pelos países nórdicos. O povo revoltou-se e saiu à rua.

Lição democrática n.º 1: Pacificamente, os islandeses começaram a concentrar-se, todos os dias, em frente ao Althingi [Parlamento] exigindo a renúncia do governo conservador de Geir H. Haarde em bloco. E conseguiram. Foram convocadas eleições antecipadas e, em Abril de 2009, foi eleita uma coligação formada pela Aliança Social-Democrata e o Movimento Esquerda Verde - chefiada por Johanna Sigurdardottir, actual primeira-ministra.

Durante esse ano, a economia manteve-se em situação precária, fechando o ano com uma queda de 7%. Porém, no terceiro trimestre de 2010 o país saiu da recessão - com o PIB real a registar, entre Julho e Setembro, um crescimento de 1,2%, comparado com o trimestre anterior. Mas os problemas continuaram.


Lição democrática n.º 2: Os clientes dos bancos privados islandeses eram sobretudo estrangeiros - na sua maioria dos EUA e do Reino Unido - e o Landsbanki o que acumulava a maior dívida dos três. Com o colapso do Landsbanki, os governos britânico e holandês entraram em acção, indemnizando os seus cidadãos com 5 mil milhões de dólares [cerca de 3,5 mil milhões de euros] e planeando a cobrança desses valores à Islândia.

Algum do dinheiro para pagar essa dívida virá directamente do Landsbanki, que está neste momento a vender os seus bens. Porém, o relatório de uma empresa de consultoria privada mostra que isso apenas cobrirá entre 200 mil e 2 mil milhões de dólares. O resto teria de ser pago pela Islândia, agora detentora do banco. Só que, mais uma vez, o povo saiu à rua. Os governos da Islândia, da Holanda e do Reino Unido tinham acordado que seria o governo a desembolsar o valor total das indemnizações - que corresponde a 6 mil dólares por cada um dos 320 mil habitantes do país, a ser pago mensalmente por cada família a 15 anos, com juros de 5,5%. A 16 de Fevereiro, o Parlamento aprovou a lei e fez renascer a revolta popular. Depois de vários dias em protesto na capital, Reiquiavique, o presidente islandês, Ólafur Ragnar Grímsson, recusou aprovar a lei e marcou novo referendo para 9 de Abril.

Lição democrática n.º 3: As últimas sondagens mostram que as intenções de votar contra a lei aumentam de dia para dia, com entre 52% e 63% da população a declarar que vai rejeitar a lei n.o 13/2011. Enquanto o país se prepara para mais um exercício de verdadeira democracia, os responsáveis pelas dívidas que entalaram a Islândia começam a ser responsabilizados - muito à conta da pressão popular sobre o novo governo de coligação, que parece o único do mundo disposto a investigar estes crimes sem rosto (até agora).

Na semana passada, a Interpol abriu uma caça a Sigurdur Einarsson, ex-presidente-executivo do Kaupthing. Einarsson é suspeito de fraude e de falsificação de documentos e, segundo a imprensa islandesa, terá dito ao procurador-geral do país que está disposto a regressar à Islândia para ajudar nas investigações se lhe for prometido que não é preso.

Para as mudanças constitucionais, outra vitória popular: a coligação aceitou criar uma assembleia de 25 islandeses sem filiação partidária, eleitos entre 500 advogados, estudantes, jornalistas, agricultores, representantes sindicais, etc. A nova Constituição será inspirada na da 
Dinamarca e, entre outras coisas, incluirá um novo projecto de lei, o Initiative Media - que visa tornar o país porto seguro para jornalistas de investigação e de fontes e criar, entre outras coisas, provedores de internet. É a lição número 4 ao mundo, de uma lista que não parece dar tréguas: é que toda a revolução islandesa está a passar despercebida nos media internacionais.