Todos os dias passo naquela rua e todos os dias há um cheiro a mijo, ácido como uma fuga nuclear, que desarranja as entranhas e a tolerância de qualquer um. Quando ajudei uma turista e a sua família a encontrar o caminho certo, falando orgulhoso da cidade, disse, ao passar pela rua urinol, “Desculpe”, e puxei a T-shirt para o nariz, envergonhado, explicando-lhes como se atravessa o vapor tóxico sem náuseas. Os portugueses têm uma péssima noção do espaço do outro. No autocarro ficam apertados no espaço da frente e, no momento de sair, precipitam-se para as portas antes do tempo, empurrando como se alguém tivesse gritado: “Fogo!”. Na plataforma do metro as pessoas querem entrar antes dos passageiros que saem. No lado esquerdo das escadas rolantes, que deve ser para quem caminha depressa, há sempre uma aventesma parada e com sacos a entupir a passagem. Os passeios são mais um exemplo do desastroso projecto espacial português – carros estacionados que obrigam os peões a andar na estrada, pessoas a conversar no meio da calçada ou grupos de amigos que avançam lado a lado e lentamente como numa manifestação sindical, criando uma barreira para quem vem atrás. Não quero ser o justiceiro espacial, mas quando ontem vi um homem de meia-idade a mijar, durante a hora de almoço, na tal rua wc, tive de o alertar. Disse-me: “Mete-te na tua vida” e “És parvo”. Quis dar-lhe um soco nos dentes. Não dei.
Mas fiquei com a certeza que um povo que se está a cagar (ou a mijar) para os outros se arrisca a ter um país latrina.
Hugo Gonçalves, escritor, Jornal i, 4 de Agosto de 2010, “Crónica Dia-a-Dia”, pp 7.
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