Em boa verdade nem eu próprio sei como classificar o teor desta carta. Os Senhores lhe darão a classificação que entenderem. RECLAMAÇÃO? LAMENTO? PEDIDO? REVOLTA?
REVOLTA pela maneira como eu e mais uns milhões de portugueses fomos enganados nas promessas eleitorais do Senhor 1ºMinistro.
Se V. Ex.ª tivesse dito que ia tirar, em vez de dizer que dava, não estaria certamente no lugar que ocupa.
Enganou-me, tirou-me e continua a tirar-me porque eu sou um dos elos mais fracos e a quem é mais fácil chegar, fácil e cómodo.
Pertenço à classe dos militares reformados, a classe a que o Governo chama funcionários públicos dando-lhe nitidamente a conotação, que havia antigamente, do chamado manga-de-alpaca. V. Ex.ª faz-me lembrar o indivíduo alcoolizado que chega a casa e desata a bater na mulher e nos filhos que é quem tem mais à mão e em quem é mais fácil, descarregar as iras. V. Ex.ª fá-lo em relação aos mais necessitados pois, como há dias disse publicamente o Sr. general Garcia Leandro, é um escândalo o que se paga a membros de certos cargos.
Mas esses estão salvaguardados, com o futuro bem garantido porque parece que são intocáveis, se calhar por pertencerem às mesmas famílias políticas que têm constituído os governos. Quero informar que não sigo em rigor nenhuma linha política mas, de facto, nunca esperei vir a ser tão humilhado e enxovalhado, na qualidade de velho militar de carreira e agora votado a quase completo abandono e desprezo por parte do Governo.
REVOLTA por constatar que V. Ex.ª, Senhor 1º Ministro, não gosta de nós, nós que lhe demos a possibilidade, em 25 de Abril de 1974, de agora estar no Governo com todas as prerrogativas de fazer o que muito bem entende.
REVOLTA pela maneira como funciona o serviço da ADM ao qual eu tenho pleno direito mas que parece ser um favor que me está a ser concedido. Classificou de privilégios os direitos adquiridos ao longo dos anos e que o Governo, abruptamente, entendeu retirar como medida absolutamente populista, aliás como é apanágio do Senhor 1º Ministro e que é anunciar coisas que caem bem na opinião pública mas alheando-se, ou fingindo que não percebe, que tem TODOS os ramos de actividade do país em protesto.
LAMENTO porque anui de alma e coração aos ideais do 25A, do MFA, não enjeitando porém, a honra de ter participado na guerra do Ultramar, em que se dizia, então, na defesa da Pátria. Cumpri como me competia e é com orgulho que ostento nos meus documentos condecorações e louvores.
E V. Ex.ª onde estava?
Sabe o que foi ser militar nesse tempo?
REVOLTA por agora ser tratado como lixo que já não presta e que se deita fora com o maior despudor e indiferença.
A ADM, integrada no IASFA, não dá conta do recado, fruto de uma alteração forçada no sistema de saúde para a qual ninguém estava preparado.
Veja-se o que se passa no Hospital da Força Aérea ao qual recorro. Para marcar algumas consultas é preciso ir para a Porta de Armas às 5 ou 6 horas - (no dia 6 éramos cerca de 60 pessoas) esperar que o sentinela nos deixe entrar às 7H30, esperar depois à entrada do edifício para às 7H45 entrar então para a sala, onde se começam a tirar as senhas e depois às 8H30 começarem as marcações que, não raras vezes, já não se conseguem.
Mesmo as que se conseguem são, em média, para daí a 2 meses. Em Gastro só há um médico a dar consulta; sabe-se que não há ordem para contratar médicos para substituir os que se vão embora, como sucedeu recentemente em Urologia. Houve um médico que me disse que ia deixar de dar consulta e quando lhe perguntei o que seria dos doentes respondeu com a maior descontracção - "isso é problema da Força Aérea".
É este o apoio que os reformados militares têm, depois de anos e anos a servir o País?
Já nos retiraram as comparticipações que tínhamos nos medicamentos, dizem que sou aumentado mas há dois anos que recebo menos dinheiro ao fim do mês. V Ex.ª, Senhor 1º Ministro, costuma dizer que é natural que ninguém goste de perder privilégios.
E o Senhor gosta?
Se não, porque se serve deles?
Como acha que era um privilégio o que os militares tinham vou só lembrar-lhe um episódio.
Quando V. Ex.ª teve o acidente, nas férias na Suíça, e precisou de ser intervencionado recorreu ao hospital da sua zona de residência?
Foi para a Porta de Armas do Hospital da Força Aérea, como eu, para marcar consulta?
Não!
V. Ex.ª beneficiou do privilégio e foi imediatamente atendido.
Só por curiosidade gostava de saber, além de não ter tido o incómodo de estar junto de mim na rua, ao frio ou à chuva às 6 horas, qual o cartão que o credenciou e qual a taxa moderadora que pagou.
Sim, porque que me conste o Senhor não é e julgo que também não foi militar, portanto estará ao nível de beneficiário da ADSE.
Também o posso informar que o Senhor, quando foi operado, passou à minha frente que aguardava vaga havia cerca de um ano para também ser operado a um joelho.
E porquê?
Por ser 1º Ministro?
Mas o Senhor, tal como todos os outros membros do Governo são pagos por mim e pelos outros contribuintes, portanto não têm o direito de atropelar quem lhes paga.
Como V. Exas. calcularão esta carta, vai circular na Internet e pode ser que alguém resolva faze-la chegar à comunicação social.
Eu não o faço por vergonha, pois basta ver o meu orgulho ferido quando os autocarros da Carris passam junto ao H. da F. A. e se nota que alguns passageiros fazem chacota ao ver aquela gente ali, na rua, na sua maioria velhos como eu.
É este o " reconhecimento " do Governo que, ao invés de se orgulhar e compensar os velhos militares de carreira os humilha desta maneira?
PEDIDO, que V. Exas. sejam breves nas represálias que pretenderem exercer sobre mim.
É que vou a caminho dos 74 anos; já fui operado 17 vezes; já nada cá ando a fazer; já não tenho quem dependa de mim; já nada me importa em termos de futuro e, se demorarem muito tempo, já não lhes darei o prazer de me verem espernear de raiva, de dor, de sofrimento e de arrependimento por ter ajudado à possibilidade de V. Exas. me enxovalharem como têm feito.
Mais uma vez evoco as palavras do Sr. General Garcia Leandro: "Isto tem que mudar "e não seria boa imagem para o seu ego ter que fazer como o outro que, em desespero, incendiou Roma para mostrar o seu poder.
Mui respeitosamente
Carlos Sousa da Silva Nuno
SCH/OPCOM/REF