1968 - Paris A "crise" de Maio de 1968 começou por ser uma contestação estudantil francesa que teve réplicas nos demais países desenvolvidos, desde os EUA ao Japão. Existia todo um mal-estar profundo no seio dos estudantes, iniciado já em Março com algumas agitações. O detonador da crise apareceu em Nanterre, nos arredores da capital francesa, tradicionalmente apelidada de feudo "esquerdista". Assim, depois de repetidos incidentes, entre os quais a ocupação pelos estudantes, a Faculdade de Nanterre foi fechada a 2 de Maio. Grupos de esquerda, revoltados "contra a sociedade de consumo", o ensino tradicional e a insuficiência de saídas profissionais, decidem opor-se pela "contestação permanente". Inicia-se logo aí o movimento dirigido por Daniel Cohn-Bendit. Os estudantes ocupam, depois, a Universidade da Sorbonne - encerrada pelas autoridades a 3 de Maio -, sofrendo uma dura intervenção policial. Geram-se tumultos e focos de tensão, com as primeiras barricadas nas ruas - nomeadamente no Quartier Latin (confrontos de que resultam 805 feridos, entre os quais 345 polícias) -, entrando-se num ciclo de provocação e repressão. A 9 de Maio, contra esta tendência, dá-se, no Boulevard St. Michel, uma manifestação pacífica. No dia seguinte, regressa a violência, com a famosa "noite das barricadas", carros em chamas, agitação na Sorbonne. Segue-se uma gigantesca manifestação estudantil em Paris, a 13 de Maio, com cerca de 600 000 estudantes.
O conflito alarga-se, porém, ao sector social, com manifestações sindicais nesse mesmo dia, acompanhadas de greves que paralisaram mais de 10 milhões de trabalhadores em França. Apesar do envolvimento da classe operária, o Partido Comunista Francês e a CGT (Confederação Geral do Trabalho) adoptam uma posição calculista, classificando as revoltas estudantis e a greve geral como "aventurismo" e concentrando-se apenas em reivindicações profissionais e laborais, em contraponto às exigências de reformas estruturais dos estudantes (maoistas, anarquistas, trotskistas...). Entretanto, o primeiro-ministro Georges Pompidou reabre a Sorbonne a 14 de Maio, dizendo que era "proibido proibir". A Renault entra também em greve. Esta pressão laboral conduzirá aos acordos de Grenelle, a 25-27 de Maio, nos quais a classe patronal garantirá um aumento de 10% dos salários e de 35% do salário mínimo. Os sindicatos aceitam, mas as suas bases operárias mantêm a greve. Apesar deste primeiro passo para a paz social, o presidente Charles de Gaulle considera a situação incontrolável, propondo um referendo. Não é, porém, escutado e ao mesmo tempo dão-se distúrbios nas ruas. A crise torna-se cada vez mais política, inquietando-se os ministros com a possibilidade de ruptura e queda do Governo, perante rumores da formação de um Executivo provisório, de crise. Em 24 de Maio, de Gaulle dissolvia a Assembleia.A violência nas ruas começa, entretanto, a irritar a França "profunda", mais conservadora. Teme-se o peso crescente do Partido Comunista, acusado de instigador, apesar da demarcação política desenhada logo no começo dos distúrbios. Crê-se mesmo numa revolução nacional. Entretanto, ninguém sabe de de Gaulle, acreditando mesmo Pompidou que o regime estava a chegar ao fim. Porém, numa alocução ao país via rádio a 30 de Maio - como nos tempos da guerra, encorajando os compatriotas -, o de Gaulle apela à ordem e anuncia eleições legislativas para Junho. No mesmo dia, junto ao Arco do Triunfo, os gaullistas organizam uma manifestação de apoio ao regime. A propósito do comunicado de de Gaulle à nação, diz Jean Lacoutoure: "Antes das 16h 30, estava-se em Cuba; depois das 16h 35 estava-se quase na Restauração". Depois de uma situação que tendia para a anarquia e para uma via socialista, consegue-se recuperar o caminho da democracia e evitar uma agudização dos factos. Apesar dos protestos da esquerda e de alguma violência, a França votará. A 16 de Junho, durante os distúrbios no Quartier Latin, morre Gilles Tautin, de 17 anos. É o fim da crise estudantil: a situação política, essa, continuará agitada.
O centro e a direita anti-gaullista colocam-se gradualmente ao lado do Governo, que assim vê surgir uma base de apoio inesperada, dispondo então de uma maioria esmagadora. Esta plataforma política conservadora desconfia, porém, da vontade de reformar do presidente, exigindo mesmo a constituição rápida de um novo Governo e novas eleições legislativas. Em parte, estas condições serão satisfeitas. Nas eleições de 23 e 30 de Junho, o regime gaullista sai reforçado, com uma vitória da UDR (União Democrática Republicana) e um claro recuo dos partidos de esquerda, apesar da crise de Maio ter feito "tremer" o poder de de Gaulle, demonstrando a insatisfação crescente da juventude e das forças sociais face ao conservadorismo do regime. Para muitos analistas, o medo suscitado pelas convulsões daquela altura permitiu a manutenção da ordem estabelecida, que acenava com projectos de reforma moderada da vida política francesa.Apesar do sucesso das eleições de Junho e das tentativas de reforma do governo de Couve de Murville (primeiro-ministro gaullista eleito em Junho de 68), de Gaulle sofrerá uma derrota política no referendo de Abril de 1969 sobre a regionalização e a reforma do Senado. Demite-se entretanto, abandonando a política."Nada será como antes de Maio de 68". Passados alguns anos, esta ideia mantém-se viva: o ano primeiro da contestação e das mudanças terá começado mesmo em Junho daquele ano. As instituições políticas não caíram mas tremeram, e os franceses repensaram o seu próprio futuro. Houve, acima de tudo, uma alteração das mentalidades, com o aparecimento de mudanças há muito esperadas em França. Os costumes evoluem, com a permissividade a abrir caminho na sociedade francesa. Os conservadores mantêm o poder, mas a abertura a novas ideias é cada vez maior, aumentando a contestação por parte dos intelectuais: o aparecimento e a divulgação de trabalhos efectuados na área das ciências sociais e humanas é uma realidade cada vez mais forte no mundo científico francês. A voz das minorias começa a levantar-se. Há uma crescente emancipação das mulheres. O próprio clero inicia também uma auto-reflexão. Generosidade maior, humanismo, ecologia e nacionalismo são alguns dos conceitos herdados de todo este movimento contestatário de 68, antecâmara da realidade dos anos 70 e 80.
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